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sexta-feira, 10 de outubro de 2025

49A MOSTRA - ASSASSINATO SOB CUSTÓDIA - consciência tardia, mas necessária

 

Em Assassinato Sob Custódia, a diretora Euzhan Palcy entrega um drama contundente ambientado na África do Sul do regime do apartheid, centrado no despertar moral de um homem branco diante da brutalidade racial sistemática. 

Enredo e proposta

O filme acompanha Ben du Toit (Donald Sutherland), professor branco que até então vive alheio às violências que permeiam seu país, beneficiando-se indiferentemente da estrutura de privilégios raciais. Tudo muda quando o filho de seu jardineiro negro é preso, espancado e acaba desaparecendo — e isso impulsiona Ben a investigar o caso e confrontar o poder opressor. 

Esse movimento narrativo — da complacência à ação — é o cerne da narrativa, e o filme tenta mostrar como a justiça, numa sociedade corrupta e racista, pode estar sistematicamente comprometida. 

Pontos fortes

  1. Temática e relevância histórica
    O apartheid foi um dos capítulos mais viscerais de segregação racial do século XX, e o filme não poupa nas representações da crueldade institucionalizada: prisões arbitrárias, torturas, impunidade de oficiais. Ao expor essas realidades, Assassinato Sob Custódia assume um papel de denúncia, ecoando não apenas para seu tempo, mas para qualquer contexto em que o preconceito é legitimado por estruturas de poder.

  2. Transformação do personagem principal
    A jornada de Ben é bastante bem construída: ele não é um herói perfeito desde o início, mas alguém que vai sendo confrontado com uma verdade insuportável e precisa romper com seu círculo — inclusive familiar — para agir. Esse arco é eficaz para gerar empatia e tensão moral.

  3. Elenco e atuações memoráveis
    Donald Sutherland carrega bem o papel central, sustentando as nuances do conflito interno. Outro destaque é Marlon Brando, em um papel coadjuvante intenso — seu desempenho chegou a ser indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. 

  4. Tom sóbrio, sem apelos sensacionalistas excessivos
    Apesar do tema explosivo, o filme evita cair no exagero dramático gratuito. A direção de Palcy busca equilíbrio entre denúncia e narrativa sólida, sem perder profundidade emocional. 

Limitações e críticas

  • O risco do “white saviour”
    Uma crítica comum a filmes desse tipo é a de que o protagonista branco acaba sendo o “salvador” dos negros, centralizando a ação em seu olhar e protagonismo, em detrimento da agência dos personagens negros. Alguns comentam que Assassinato Sob Custódia pode escorregar nessa armadilha narrativa. 

  • Narrativa às vezes previsível
    Certas viradas dramáticas e o caminho do ativismo de Ben podem seguir pistas já bastante exploradas no cinema de denúncia, o que em alguns momentos diminui o grau de surpresa.

  • Limitações de profundidade dos personagens secundários
    Apesar de importantes para o contexto, alguns personagens negros têm menos espaço narrativo para se desenvolverem plenamente, servindo mais como pontes na trajetória do protagonista.

Impressão final

Assassinato Sob Custódia é um filme que, embora com seus imperfeições, permanece relevante. Ele nos lembra que a conscientização muitas vezes chega tarde — mas que o silêncio e a inércia frente à injustiça também são cúmplices.

Se você busca um filme que combine história, conflito moral e reflexões sociais sem abrir mão do drama humano, essa obra vale ser revisitada — e discutida.

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