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terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Saúde: Uma questão delicada - Esquizofrenia

Texto: Maria Lúcia Zanelli, reportagem para o Diário Oficial do Estado, dia 20 de março de 2013

O cineasta Eduardo Coutinho,80, e sua esposa Maria das Dores Oliveira, 62, foram esfaqueados pelo filho Daniel de Oliveira, 41. Coutinho não sobreviveu às facadas, enquanto sua esposa continua internada. Para a polícia, Daniel atingiu os pais e depois tentou se matar durante um surto psicótico. Segundo vizinhos, ele sofria de esquizofrenia. Há um ano, eu escrevi a reportagem abaixo sobre a doença e sobre o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. Tire suas dúvidas sobre a doença...





Desde 1990, o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas tem um grupo especializado em tratamento para a esquizofrenia. É o Projesq- Programa de Esquizofrenia formado por psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais. O Professor Dr. Hélio Elkis, professor associado do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e coordenador do Projesq, explica que o grupo realiza atendimento e tratamento a pacientes, familiares bem como da parte de pesquisa da doença. “Realizamos vários tipos de pesquisas, sobretudo na área farmacológica e de intervenções psico-sociais. Atualmente existem, diversos medicamentos modernos para esquizofrenia, chamados antipsicóticos de segunda geração, com boa eficácia sobre sintomas psicóticos e com poucos efeitos colaterais, e que ajudam os pacientes a ter uma vida com mais qualidade. No entanto, há alguns sintomas da esquizofrenia que não melhoram tanto e, para combate-los, tem surgido novos antipsicóticos mas que precisam ser testados e, por isto, a necessidade de pesquisa. Atualmente estamos testando um antipsicótico que tem efeito sobre sintomas como a apatia, falta de interesse e motivação que são muito comuns na doença e para tal, estamos recrutando pacientes. Sabemos também que, quanto antes a esquizofrenia for tratada melhor o prognostico e, por isto, estamos também testando novos antipsicóticos injetáveis em pacientes com pouco tempo de doença e que podem melhorar com estes medicamentos.”
Além disso, o Projesq é responsável por várias atividades de ensino. Seus membros ministram aulas em cursos de graduação, pós-graduação, atualização, extensão universitária, congressos, simpósios, jornadas e cursos para a comunidade médica. O grupo promove discussões clínicas sistemáticas de novos casos com toda equipe. Além de realizar ensaios clínicos com novos antipsicóticos, o Projesq também tem pesquisas e publicações nas chamadas “intervenções psico-sociais” que hoje são consideradas muito importantes
para a reabilitação do paciente com esquizofrenia tais como terapia cognitiva comportamental, treino de habilidades sociais e terapia ocupacional.

Entenda a doença – Aproximadamente 1% da população mundial possui este transtorno, porcentual que se repete no panorama nacional. A cada ano 56 mil novos casos são diagnosticados no Brasil.
A esquizofrenia é causada por alterações no funcionamento do cérebro caracterizadas por alterações de uma substância do cérebro chamada dopamina, e que traz grandes dificuldades sociais para a pessoa e para a sua família. Ela cursa com crises agudas que, se convenientemente tratadas, podem ser curadas rapidamente, e períodos em que doença torna- se crônica, onde o paciente deve ser continuamente acompanhado.
Na fase aguda dos sintomas, quando a um excesso de dopamina no cérebro, o portador pode ter uma crença absoluta nas suas vivências delirantes e alucinatórias e agir sob comando destas alterações cerebrais fazendo coisas que em sã consciência não faria. Existem casos descritos de violência, mas estes eventos são extremamente raros. Vários estudos científicos demonstram que os portadores de esquizofrenia não são mais violentos do que a população geral.
“Os portadores de esquizofrenia passam a maior parte do tempo e períodos de estabilidade, quando os sintomas estão controlados, podendo desempenhar funções na sociedade mas, para tanto, é necessário que estes indivíduos estejam em tratamento regular com medicações e terapias psicossociais”, explica Mario Louzã, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria e também coordenador do Projesq.
A esquizofrenia, por definição, é um transtorno do neurodesenvolvimento, o que significa que ele se inicia quando o bebê ainda está sendo formado dentro do útero e durante a infância. Porém, apesar de tão precoce, a doença só é identificada na adolescência ou na fase adulta, quando o cérebro atingiu estágio de maior amadurecimento. No entanto hoje sabe que são necessários fatores desencadeantes para deflagrar a doença, como é o caso do uso de drogas.
Neste ponto é importante salientar que, antigamente, acreditava-se que as drogas não tinham influência na manifestação da esquizofrenia, apenas provocavam sintomas parecidos com os da doença. Contudo, estudos genéticos recentes já comprovam que o uso crônico da maconha pode colaborar para o aparecimento da doença, interagindo com genes responsáveis pela regulação da dopamina.
Em geral, a doença aparece nos homens entre os 15 e 20 anos. Nas mulheres entre os 20 e 25 anos. Apesar da existência de características hereditárias genéticas que colaboram com a doença, elas não são determinantes. Essa concordância é de apenas 50%. Para quem não tem parentes esquizofrênicos, o risco de ser portador da doença é de 1%.
Não existe ainda cura para a doença, mas o controle hoje é muito melhor e os
pacientes podem levar uma vida estável e produtiva, como em qualquer doença crônica. Com a evolução da terapêutica para esquizofrenia, os pacientes passaram a ser tratados em ambulatórios e as internações, quando ocorrem, acontecem nos episódios psicóticos, quando o paciente não pode ser tratado em casa. O uso de psicóticos reduz significativamente o risco de internações. O paciente com esquizofrenia quando tratado adequadamente e precocemente consegue se reinserir na sociedade, trabalhar e levar uma vida normal.
Um exemplo é o de Jorge Assis, que não é paciente do Projesq, e que é um dos coordenadores da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia (Abre) e convive com a doença há 27 anos. “Meu primeiro surto surgiu aos 18 anos. Não consegui passar no vestibular para Física e estava muito deprimido. Um dia, ouvi vozes e joguei-me na frente do vagão do metrô. Acordei dois dias depois do surto e sem a perna direita.” Aos 54 anos, Jorge continua com o tratamento. Hoje é formado em filosofia e participa ativamente das atividades da Abre e luta contra a discriminação da doença.

Tratamento – Elkis explica que até a metade do século 20 não havia remédios que controlassem a doença. O caso do bailarino russo Vaslav Nijinsky é um exemplo. Diagnosticado em 1919 como portador de esquizofrenia, teve sua carreira interrompida quando era muito jovem. Ficou internado em diversas
instituições psiquiátricas, vindo a falecer aos 60 anos em 1950.
Nos anos 1930 e 1940 o tratamento consistia no uso de insulinoterapia, que depois foi abandonada, e da eletroconvulsoterapia (ECT), que hoje só é utilizado somente alguns casos. Os antipsicóticos de primeira geração, tais como a Clorpromazina e o Haloperidol, e que surgiram entre 1950 e 1970, representaram uma revolução no tratamento da esquizofrenia, da mesma forma que os antibióticos o foram para o tratamento das infecções, sendo utilizados até hoje.
A partir de 1990 surgem os antipsicóticos de segunda geração, com menos efeitos colaterais e, desde então, constituem o tratamento padrão da doença. Entre eles destaca-se a Clozapina, que é o único antipsicótico indicado para os chamados casos refratários, quando o paciente não responde a dois tratamentos com antipsicóticos de primeira ou de segunda geração.
Elkis salienta que em alguns, paciente portadores da doença, ainda, requerem períodos de internação, porém estas, na sua maioria “Não são internações de longo prazo, mas, de curto prazo com rápida reinserção do paciente na comunidade”. No entanto o médico chama a atenção que trabalhos realizados no Projesq e publicados no exterior, corroboram o que a literatura médica tem mostrado há vários anos: “o uso contínuo de antipsicóticos é a melhor maneira de evitar novas internações, que são causadas geralmente pelo abandono do tratamento”.
Já o medico Mario Louzã explica que um dos grandes do tratamento da esquizofrenia é o do diagnóstico tardio. “Quanto mais cedo for feito o diagnóstico correto, melhor será a qualidade de tratamento dado a esse paciente. Quanto mais cedo tratarmos a doença, melhor será seu prognóstico, daí a importância da detecção precoce da esquizofrenia”.

Serviço: O Projesq dispõe atualmente de vagas de tratamento em ambulatório para homens e mulheres de maiores de18 anos, que tenham diagnóstico de esquizofrenia recente (1 a 5 anos) e que não estejam melhorando com o tratamento atual com antipsicóticos. Informações e inscrições para triagem projesqipq@hcnet.usp.br ou pelo telefone (011) 2661-6971 ou (011) 2661-7808, segunda à sexta-feira das 8 às 17 horas – falar com Josy ou Leticia.


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