Texto: Maria Lúcia Zanelli, reportagem para o Diário Oficial do Estado, dia 20 de março de 2013
O cineasta Eduardo Coutinho,80, e sua esposa Maria das Dores Oliveira, 62, foram esfaqueados pelo filho Daniel de Oliveira, 41. Coutinho não sobreviveu às facadas, enquanto sua esposa continua internada. Para a polícia, Daniel atingiu os pais e depois tentou se matar durante um surto psicótico. Segundo vizinhos, ele sofria de esquizofrenia. Há um ano, eu escrevi a reportagem abaixo sobre a doença e sobre o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. Tire suas dúvidas sobre a doença...
Desde 1990, o Instituto de Psiquiatria do Hospital das
Clínicas tem um grupo especializado em tratamento para a esquizofrenia. É o
Projesq- Programa de Esquizofrenia formado por psiquiatras, psicólogos,
assistentes sociais e terapeutas ocupacionais. O Professor Dr. Hélio Elkis,
professor associado do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da
USP e coordenador do Projesq, explica que o grupo realiza atendimento e
tratamento a pacientes, familiares bem como da parte de pesquisa da doença.
“Realizamos vários tipos de pesquisas, sobretudo na área farmacológica e de
intervenções psico-sociais. Atualmente existem, diversos medicamentos modernos
para esquizofrenia, chamados antipsicóticos de segunda geração, com boa
eficácia sobre sintomas psicóticos e com poucos efeitos colaterais, e que
ajudam os pacientes a ter uma vida com mais qualidade. No entanto, há alguns
sintomas da esquizofrenia que não melhoram tanto e, para combate-los, tem
surgido novos antipsicóticos mas que precisam ser testados e, por isto, a
necessidade de pesquisa. Atualmente estamos testando um antipsicótico que tem
efeito sobre sintomas como a apatia, falta de interesse e motivação que são muito comuns na doença e para tal,
estamos recrutando pacientes. Sabemos também que, quanto antes a esquizofrenia
for tratada melhor o prognostico e, por isto, estamos também testando novos
antipsicóticos injetáveis em pacientes com pouco tempo de doença e que podem
melhorar com estes medicamentos.”
Além disso, o Projesq é responsável por várias atividades de
ensino. Seus membros ministram aulas em cursos de graduação,
pós-graduação, atualização, extensão universitária, congressos, simpósios,
jornadas e cursos para a comunidade médica. O grupo promove discussões clínicas
sistemáticas de novos casos com toda equipe. Além de realizar ensaios clínicos
com novos antipsicóticos, o Projesq também tem pesquisas e publicações
nas chamadas “intervenções psico-sociais” que hoje são consideradas muito
importantes
para a reabilitação do paciente com esquizofrenia tais como
terapia cognitiva comportamental, treino de habilidades sociais e terapia
ocupacional.
Entenda a doença – Aproximadamente 1% da população mundial
possui este transtorno, porcentual que se repete no panorama nacional. A
cada ano 56 mil novos casos são diagnosticados no Brasil.
A esquizofrenia é causada por alterações no funcionamento do
cérebro caracterizadas por alterações de uma substância do cérebro
chamada dopamina, e que traz grandes dificuldades sociais para a pessoa e para
a sua família. Ela cursa com crises agudas que, se convenientemente tratadas,
podem ser curadas rapidamente, e períodos em que doença torna- se crônica, onde
o paciente deve ser continuamente acompanhado.
Na fase aguda dos sintomas, quando a um excesso de dopamina
no cérebro, o portador pode ter uma crença absoluta nas suas vivências
delirantes e alucinatórias e agir sob comando destas alterações cerebrais
fazendo coisas que em sã consciência não faria. Existem casos descritos de
violência, mas estes eventos são extremamente raros. Vários estudos científicos
demonstram que os portadores de esquizofrenia não são mais violentos do que a
população geral.
“Os portadores de esquizofrenia passam a maior parte do
tempo e períodos de estabilidade, quando os sintomas estão controlados,
podendo desempenhar funções na sociedade mas, para tanto, é necessário que
estes indivíduos estejam em tratamento regular com medicações e terapias
psicossociais”, explica Mario Louzã, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria e
também coordenador do Projesq.
A esquizofrenia, por definição, é um transtorno do
neurodesenvolvimento, o que significa que ele se inicia quando o bebê ainda está
sendo formado dentro do útero e durante a infância. Porém, apesar de tão precoce,
a doença só é identificada na adolescência ou na fase adulta, quando o
cérebro atingiu estágio de maior amadurecimento. No entanto hoje sabe que são
necessários fatores desencadeantes para deflagrar a doença, como é o caso do
uso de drogas.
Neste ponto é importante salientar que, antigamente,
acreditava-se que as drogas não tinham influência na manifestação da
esquizofrenia, apenas provocavam sintomas parecidos com os da doença. Contudo,
estudos genéticos recentes já comprovam que o uso crônico da maconha pode colaborar
para o aparecimento da doença, interagindo com genes responsáveis pela
regulação da dopamina.
Em geral, a doença aparece nos homens entre os 15 e 20 anos.
Nas mulheres entre os 20 e 25 anos. Apesar da existência de características
hereditárias genéticas que colaboram com a doença, elas não são determinantes.
Essa concordância é de apenas 50%. Para quem não tem parentes esquizofrênicos,
o risco de ser portador da doença é de 1%.
Não existe ainda cura para a doença, mas o controle hoje é
muito melhor e os
pacientes podem levar uma vida estável e produtiva, como em
qualquer doença crônica. Com a evolução da terapêutica para esquizofrenia, os
pacientes passaram a ser tratados em ambulatórios e as internações, quando
ocorrem, acontecem nos episódios psicóticos, quando o paciente não pode ser
tratado em casa. O
uso de psicóticos reduz significativamente o risco de internações. O paciente com
esquizofrenia quando tratado adequadamente e precocemente consegue se reinserir
na sociedade, trabalhar e levar uma vida normal.
Um exemplo é o de Jorge Assis, que não é paciente do
Projesq, e que é um dos coordenadores da Associação Brasileira de Familiares,
Amigos e Portadores de Esquizofrenia (Abre) e convive com a doença há 27 anos.
“Meu primeiro surto surgiu aos 18 anos. Não consegui passar no vestibular para
Física e estava muito deprimido. Um dia, ouvi vozes e joguei-me na frente do
vagão do metrô. Acordei dois dias depois do surto e sem a perna direita.” Aos
54 anos, Jorge continua com o tratamento. Hoje é formado em filosofia e
participa ativamente das atividades da Abre e luta contra a discriminação da
doença.
Tratamento – Elkis explica que até a metade do século 20 não
havia remédios que controlassem a doença. O caso do bailarino russo Vaslav
Nijinsky é um exemplo. Diagnosticado em 1919 como portador de
esquizofrenia, teve sua carreira interrompida quando era muito jovem. Ficou
internado em diversas
instituições psiquiátricas, vindo a falecer aos 60 anos em
1950.
Nos anos 1930 e 1940 o tratamento consistia no uso de
insulinoterapia, que depois foi abandonada, e da eletroconvulsoterapia (ECT), que
hoje só é utilizado somente alguns casos. Os antipsicóticos de primeira
geração, tais como a Clorpromazina e o Haloperidol, e que surgiram entre 1950 e
1970, representaram uma revolução no tratamento da esquizofrenia, da mesma
forma que os antibióticos o foram para o tratamento das infecções, sendo
utilizados até hoje.
A partir de 1990 surgem os antipsicóticos de segunda
geração, com menos efeitos colaterais e, desde então, constituem o tratamento
padrão da doença. Entre eles destaca-se a Clozapina, que é o único
antipsicótico indicado para os chamados casos refratários, quando o paciente
não responde a dois tratamentos com antipsicóticos de primeira ou de segunda
geração.
Elkis salienta que em alguns, paciente portadores da doença,
ainda, requerem períodos de internação, porém estas, na sua maioria “Não são
internações de longo prazo, mas, de curto prazo com rápida reinserção do
paciente na comunidade”. No entanto o médico chama a atenção que trabalhos
realizados no Projesq e publicados no exterior, corroboram o que a literatura médica
tem mostrado há vários anos: “o uso contínuo de antipsicóticos é a melhor
maneira de evitar novas internações, que são causadas geralmente pelo abandono
do tratamento”.
Já o medico Mario Louzã explica que um dos grandes do
tratamento da esquizofrenia é o do diagnóstico tardio. “Quanto mais cedo
for feito o diagnóstico correto, melhor será a qualidade de tratamento dado a
esse paciente. Quanto mais cedo tratarmos a doença, melhor será seu
prognóstico, daí a importância da detecção precoce da esquizofrenia”.
Serviço: O Projesq dispõe atualmente de vagas de tratamento em
ambulatório para homens e mulheres de maiores de18 anos, que tenham diagnóstico
de esquizofrenia recente (1 a
5 anos) e que não estejam melhorando com o tratamento atual com antipsicóticos.
Informações e inscrições para triagem projesqipq@hcnet.usp.br ou pelo telefone
(011) 2661-6971 ou (011) 2661-7808, segunda à sexta-feira das 8 às 17 horas –
falar com Josy ou Leticia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário